No segundo número da revista Dois Pontos encorajámos as crianças a usarem a sua voz. A voz é o nosso instrumento natural para produzirmos som e comunicarmos com o exterior. A voz é uma ponte valiosa entre o íntimo dos nossos pensamentos e emoções, e os outros.

Comunicação e Conflito

A voz tem uma função adaptativa, porque é através dela que transmitimos aos outros as nossas necessidades e desejos. Como somos seres interdependentes e vivemos em relação uns com os outros, a comunicação eficaz com o exterior é uma competência essencial ao nosso bem-estar e à harmonia nas relações. 

Na ausência de uma comunicação eficaz, surge o conflito, que pode tomar a forma de um conflito interpessoal, como uma discussão entre duas pessoas, ou a forma de um conflito interno. Estes são os casos em que permanecemos calados quando temos algo a dizer, sobretudo quando não defendemos os nossos direitos. Não é por calarmos os nossos sentimentos e pensamentos que eles desaparecem. Pelo contrário, sempre encontrarão uma via de expressão. No caso dos conflitos intrapessoais, esta expressão pode tomar a forma de autoagressão através da autocensura, e até originar mal-estar físico.

 

Os filhos são diferentes dos pais

Nas crianças, o exercício da individualidade começa pela capacidade de dizer “não”. Muitas vezes este “não” é dirigido aos pais – à medida que cresce, a criança vai percebendo que é diferente dos pais. Para algumas crianças, esta consciência é dolorosa. Para alguns pais, também. Mas é muito importante dar espaço à criança para conhecer as suas preferências pessoais e agir sobre elas.

A título de exemplo prático, imagine que sai com o seu filho para comer um gelado e sugere à criança: “Queres morango e baunilha, como eu?” Vai chegar uma altura no seu desenvolvimento em que a criança quererá, pelo menos, experimentar outros sabores, para assim poder decidir o que prefere. Então ela responderá: – “Não, quero experimentar outro sabor.” Ou “não, prefiro chocolate.”

Nestas situações, os pais não devem levantar objeções. Pelo contrário, devem encorajar a descoberta no seu filho da sua própria identidade e transmitir-lhes a mensagem de que a diferença é algo natural e valioso, e de que o amor permanece sempre, mesmo na diferença e na desarmonia. É esta base que permitirá à criança desenvolver confiança em si própria para se afirmar individualmente, sem medo de perder o amor dos pais.

Só podemos transmitir eficazmente aos outros aquilo que desejamos e de que precisamos, quando isso é interiormente legitimado. Todos temos direito às nossas preferências e à nossa individualidade, e ela deve ser expressa. Mesmo quando entra em desarmonia com as preferências do outro. Desencontros e desarmonias são naturais e desejáveis. São evidência de autenticidade, porque os seres humanos não são iguais.

 

Todos ganham com a assertividade

Nem sempre temos consciência de que a forma dos outros comunicarem connosco é, muitas vezes, consequência da forma como nós comunicamos com eles. Por esta razão, falámos às crianças sobre a melhor forma de usarem a sua voz e de serem assertivas. A assertividade é uma das competências sociais mais importantes a desenvolver. Não é fácil! Implica prática e um contexto favorável à sua aprendizagem.

Na nossa sociedade, a diferença é muitas vezes associada ao conflito, e o conflito é associado à luta de poder, em que existe um vencedor e um perdedor. Mas a verdadeira assertividade significa um ganho para ambos os lados – permite dar voz aos meus pontos de vista e escutar os pontos de vista do outro. É procurar uma solução de compromisso porque existe respeito e curiosidade pelas necessidades do outro.

Se a criança se sentir ouvida, é meio caminho andado para colaborar e cooperar naquilo que é importante para o adulto. “Porque não” deixou de ser uma resposta satisfatória. Ser assertivo com uma criança implica que o adulto tenha a capacidade de se conectar com as suas próprias necessidades e expetativas, avaliando a sua pertinência. É razoável pedir à criança que venha para a mesa jantar a uma determinada hora, e explicar-lhe os motivos, mas não é razoável pedir-lhe que vista o vestido rosa em vez do vestido azul, simplesmente porque é mais agradável ao olhar do adulto. 

 

Bibliografia para explorar o tema:

Para adultos que queiram tornar a sua comunicação mais compassiva e eficaz:

ROSENBERG, Marshall B., Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, Edições Ágora, 2006.

Para ajudar as crianças a desenvolver e a compreender a assertividade:

MOREIRA, Paulo, Olá, Obrigado! Competências sociais e assertividade; Coleção Crescer a Brincar, Porto Editora, 2016.

Inês Martins é psicóloga clínica e desenvolve a secção Emoções na Revista Dois Pontos.