Na Dois Pontos de outubro falámos às crianças sobre perder – durante a vida, perder algo ou alguém muito importante para nós é inevitável. Lidar com o sentimento de perda significa lidar com o fim. Dependendo da dimensão da perda, construir algo depois do fim pode ser uma tarefa muito difícil. É uma travessia que cada um tem de fazer por si mesmo.

 

Então, como ajudar as crianças a lidar com a perda? Talvez o primeiro passo seja abstermo-nos de tentar protegê-las do sentimento de perda. É impossível, mais cedo ou mais tarde, essa dor chegará. É bom que a criança possa ir assumindo e processando pequenas perdas, como ficar sem o seu brinquedo favorito, não poder ir à festa de aniversário da melhor amiga porque apanhou uma constipação, ou sair da casa onde sempre viveu.

 

A perda tem muitas formas, mas significa sempre que algo se tornou ausente. Os adultos podem ajudar as crianças mostrando-lhes que tudo na natureza tem os seus ciclos. As estações do ano começam e acabam, sucedem-se com as suas características e transformações. Uma não é melhor do que a outra e todas são necessárias. Quando falamos de perda falamos de transformação. Muitas vezes surgem alterações na rotina do dia a dia e a vida muda. As mudanças no nosso quotidiano fazem-se acompanhar de reações emocionais mais ou menos intensas, dependendo da intensidade da perda. A tristeza é, por definição, a expressão emocional da dor da perda. Sentimos que algo que fazia parte de nós nos foi subtraído. Sentimo-nos incompletos, sentimos o vazio de algo que se tornou ausente.

 

É importante que os pais não se deixem assustar pela tristeza da criança. Sentir a tristeza de quem se ama pode ser algo assustador e difícil de tolerar. É necessário que o adulto tenha a capacidade de receber a tristeza da criança para que ela possa aceitar a realidade da perda e encontrar, através dela, o seu próprio caminho. Tolerar a tristeza não é alimentá-la, mas sim dar-lhe espaço enquanto se reafirma a existência de um lugar para além dela. «Agora estás triste, isso é normal, mas não vai ser sempre assim.»

O adulto pode relembrar a criança de outras situações em que ela perdeu, se sentiu triste, e depois passou. Pode relembrá-la das coisas boas que aconteceram depois de ela perder algo ou alguém importante. Por exemplo, talvez a família tenha mudado de casa e a criança tenha tido que deixar a escola e os amigos. Isso é uma perda. Mas na nova casa tem um quarto só para ela e já fez um melhor amigo na escola nova, o que nunca teria acontecido se tivesse ficado no mesmo lugar.

As coisas boas continuam sempre a acontecer, desde que não nos fechemos à vida e nos deixemos surpreender. O adulto não deve apressar a vivência da tristeza, mas pode ajudar a criança a olhar em frente e a prosseguir com as suas experiências.

 

A criança deve ser encorajada a partilhar a sua dor e a não guardar tudo dentro de si. A expressão da dor não tem de ser feita por palavras. A criança pode chorar, resguardar-se no quarto, fazer desenhos que simbolizam o que perdeu, irritar-se mais facilmente ou perder o apetite. Tudo isto são expressões da dor da perda. O adulto pode fazer algo tão simples quanto dizer: «Tenho notado que andas mais irritado e distraído. Se calhar isso está a acontecer porque sentes a falta do teu melhor amigo…»Mesmo que a criança não responda, a sua irritação e distração ganham contexto e significado. Em vez de se zangar com a criança, o adulto ajuda-a a atribuir um sentido aos seus comportamentos mais desajustados ou pouco habituais.

 

Fazer algum tipo de cerimónia ou ritual pode ajudar a processar a perda e a aceitar a nova realidade, ao mesmo tempo que se celebra o que se perdeu. Talvez tenha morrido um animal de estimação e a família possa imprimir e emoldurar uma fotografia com o animal e pendurar numa das paredes da sua casa. O que se perde não desaparece, faz parte da nossa vida e de quem nós somos. Esta afirmação é importante, ajuda a lidar com o «nunca mais».

 

Uma travessia é um percurso e não deve ser apressada. É preciso dar tempo à reorganização das tarefas da vida quotidiana e à expressão e processamento da dor. O adulto deve apenas manter-se atento e presente, o que nem sempre é fácil, sobretudo quando a perda é partilhada com a criança. Por exemplo, se uma criança perdeu um avô, a mãe perdeu um pai.

Se a criança se isolar em demasia, se persistirem alterações no padrão do sono, apetite, ou manifestações corporais, pode ser indicado procurar a ajuda de um profissional de saúde mental. O adulto deve igualmente estar atento a pensamentos pessimistas repetitivos ou a sentimentos de culpa persistentes.

Inês Martins é psicóloga clínica e desenvolve a secção Emoções na revista Dois Pontos.