Na Dois Pontos de julho falámos às crianças sobre a necessidade que todos temos de pertencer. A criança quer pertencer. Quer ter o seu próprio lugar na família, no grupo de amigos, na equipa de futebol, etc. Para se sentir incluída, adota comportamentos, valores, linguagem, interesses, gostos e hábitos característicos desse grupo. Adere a um determinado sistema de crenças (ou hábitos de pensamento) que acabam por definir, entre tantas outras coisas, a atitude perante a diversidade, a diferença e o desconhecido.
O preconceito inconsciente
Somos todos dotados de inúmeros preconceitos (ideias pré-concebidas acerca da realidade) ainda que não nos vejamos como pessoas preconceituosas. Somos, inevitavelmente, fruto da discriminação da nossa época.
O primeiro contributo dos adultos para ajudar as crianças a acolher e respeitar a diversidade é reconhecer que a mente é capaz de gerar preconceitos. Pela sua natureza inconsciente, os preconceitos impactam as nossas decisões sem que nos demos conta.
Aqui está um exemplo prático de como os preconceitos impactam a tomada de decisões: alguns pais, pela sua educação, crenças e história familiar, optam por pôr os seus filhos num colégio privado. Para estes pais, a criança está mais protegida no colégio, os professores estão mais disponíveis e atentos, e os colegas provêm de um determinado estrato socioeconómico que confere segurança e boas perspetivas profissionais. Estes pais acreditam que o colégio é a melhor opção para preparar as crianças para o futuro.
Outros pais preferem pôr os seus filhos numa escola pública, pela oportunidade que oferece de contacto com crianças de diversas origens socioeconómicas e culturais. O contacto com o mundo mais alargado, fora da realidade económica “privilegiada” é valorizado como componente educativa e de preparação para a idade adulta. Para estes pais, a escola pública é a melhor opção para preparar as crianças para o futuro. Neste processo de tomada de decisão, estão em jogo crenças e preconceitos acerca dos dois tipos de escola.
Os preconceitos conferem segurança porque nos dão uma falsa perceção de familiaridade, como se conhecêssemos realidades que, na verdade, não conhecemos.
Aquilo que é conhecido não só é mais seguro, como é mais confortável. A nossa perceção de controlo é maior, sabemos o que esperar e como lidar com o que nos é familiar. Para assegurar a sobrevivência, tanto o cérebro humano como o ego da personalidade procuram segurança, controlo e conforto.
Viver em comunidade e diversidade
As crianças, com poucos anos de experiência no mundo, acolhem com abertura e curiosidade a diversidade. Na sua natureza inocente, a criança tem uma via aberta para o amor, a alegria e a generosidade.
A sua própria experiência no mundo, o desenvolvimento da sua personalidade, e as crenças herdadas pelos adultos, tornam-na mais ou menos recetiva à diferença. Pais, educadores e outros adultos de referência, com quem a criança mantém um vínculo afetivo ou uma convivência regular, são extremamente importantes na modelagem de comportamentos e crenças acerca da realidade e dos outros.
Viver em grupo é tão necessário à própria preservação da espécie como a procura por segurança, controlo e conforto. As nossas diferenças são, aliás, uma grande vantagem na estimulação de novas ideias e importantes para a nossa expansão enquanto coletivo.
Por mais diferentes que sejamos uns dos outros, só pelo simples facto de existirmos, já pertencemos. Pertencemos todos à mesma espécie, a espécie humana. A capacidade de amar e acolher é algo comum a todos nós e é independente de qualquer tradição espiritual, religiosa, cultural, geracional ou educativa.
Vivemos em sociedade e isso implica um esforço para conviver com o outro. Viver com o outro significa ter abertura para o outro e reconhecê-lo como eu, tão digno de respeito e de compreensão como eu. Significa perceber que o outro é muito parecido comigo, tem as mesmas necessidades e os mesmos afetos.
Mas existe um medo inato do desconhecido. É potencialmente perigoso e ameaça a nossa estabilidade identitária. Não queremos abdicar das nossas posições no mundo porque elas nos dão segurança. Não é fácil lidar com a vontade, personalidade e ideias do outro, que podem não ser as minhas. Muitas vezes sentimos que temos que nos proteger defendendo as nossas crenças e convicções como as únicas corretas.
O segundo contributo dos adultos para ajudar as crianças a acolher e respeitar a diversidade é encararem a situação desconhecida com uma atitude de desafio e curiosidade, em vez de medo e retraimento. Esta atitude contribuirá para criar nas crianças sentimentos de autoconfiança e autoeficácia para lidar com os desafios da vida. A criança está também mais apta a lidar com a diferença porque se sente segura o suficiente para acolhê-la.
Educar para a vida em comunidade. Educar para a Empatia. Educar para o Diálogo
Vale a pena fazer a pergunta: como acolhemos a diferença e a diversidade no seio das nossas relações mais íntimas? Nas relações de casal, com os nossos pais, filhos, amigos, colegas de trabalho. A diversidade está além de diferenças culturais, linguísticas ou religiosas (mais aparentes, mais visíveis). Como acolhemos a diversidade para lá das expetativas que temos em relação aos outros que nos são próximos?
Educamos pela transmissão de princípios e de valores, educamos pelo exemplo, e também por estimular positivamente o que é bom. O terceiro contributo dos adultos para que as crianças possam respeitar e acolher a diversidade, é ajudá-las a perceber quais os seus talentos e vocações. Assim poderá desenvolvê-los, não só para sua própria felicidade e prazer, mas também em prol do coletivo.
Educar para o comunitário é desenvolver o altruísmo. A empatia é uma das pontes entre o egoísmo e o altruísmo, significa sentir com o outro, ou compreender como o outro se sente.
Educar para o comunitário é também educar-se para o conhecimento de si mesmo. E para o reconhecimento do outro. É uma grande conquista quando nos tornamos tolerantes à manifestação do outro. Tal implica o reconhecimento de que não existe uma verdade ou visão do mundo universalmente válida, e que existem tantas visões do mundo quantas pessoas existem no mundo. Implica uma real capacidade de escuta em vez de julgamentos mútuos. Implica o reconhecimento de que cada indivíduo é um ser humano com uma história de vida própria e diferente, e a adoção de uma abordagem aberta e curiosa ao que o outro tem a dizer. Implica estar aberto a novas narrativas para ampliarmos a forma como vemos o mundo e nos conectarmos melhor com os outros. Tal não significa que concordamos com eles, mas que respeitamos a sua visão e expressão.
Inês Martins é psicóloga clínica e desenvolve a secção Emoções na Revista Dois Pontos.